Juliana Moreau de Almeida Soares, de 18 anos, mora em Itamaraju, Bahia, e foi uma das candidatas que alcançou a nota mil na redação do Enem 2022. Para o tema “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil“, utilizou como repertório a pensadora contemporânea Djamila Ribeiro e as quebradeiras de coco, uma comunidade tradicional.
A estudante nasceu em Minas Gerais, na cidade de Manhuaçu, mas se considera baiana por ter se mudado ainda recém-nascida. Juliana estudou durante toda a vida no colégio Crescer,. No ano passado, terminou o Ensino Médio e encerrou o ciclo escolar em grande estilo: gabaritando a redação do Enem.
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Para analisar as escolhas textuais da estudante, o GUIA DO ESTUDANTE convidou Vinicius Beltrão, coordenador de ensino e inovação da plataforma de educação SAS.
Confira abaixo a redação na íntegra e, em seguida, os comentários do professor para cada parágrafo.
Introdução
Declarado patrimônio imaterial brasileiro, o ofício das quebradeiras de coco é exemplo da preservação de conhecimentos populares que marcam a cultura, a economia e as relações interpessoais dos povos envolvidos. Similarmente, muitos outros grupos tradicionais possuem saberes de extrema importância e, no entanto, não recebem o respeito merecido, o que cria uma urgente necessidade de promover a valorização dessas comunidades. Nesse contexto, é válido analisar como a negligência estatal e a existência de uma visão capitalizada da natureza representam desafios para a resolução de tal problemática.
Comentário do professor: O texto de Juliana traz referências muito pertinentes à questão de valorização dos povos tradicionais com foco na mercantilização das terras e a desenfreada exploração dos recursos, como consequência de uma sociedade consumista e de um Estado pouco atuante. A candidata distribui ao longo do texto referências e citações de pensadores clássicos e contemporâneos estabelecendo muito bem a importância da pauta que sofre com o descaso e total falta de urgência, tanto da população quanto dos órgãos competentes. Logo de início, ela traz a importância da preservação do conhecimento e cultura popular dos povos originais declarando como patrimônio imaterial da nação. A crítica é bem apresentada ao relatar a negligência do Estado e a visão capitalista que paira sobre o problema. Aqui ela enfatiza o termo “desafios”, abrindo caminho para o desenvolvimento que virá nos parágrafos seguintes.
Desenvolvimento 1
Diante desse cenário, nota-se a inoperância governamental como fator agravante do descaso em relação às culturas tradicionais. Para a pensadora contemporânea Djamila Ribeiro, é preciso tirar as situações da invisibilidade para que soluções sejam encontradas, perspectiva que demonstra a falha cometida pelo Estado, uma vez que existe uma forte carência de conscientização popular sobre o assunto – causada pelo baixo estímulo governamental a essas discussões, tanto nas salas de aulas quanto no âmbito político. Nesse sentido, fica evidente que, por não dar notoriedade à luta desses povos, o governo permite o esquecimento e a minimização de seus costumes, o que gera não somente a massiva perda cultural de um legado cultivado por gerações, mas também o prejuízo da desestruturação econômica de locais baseados nessas técnicas.
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Comentário do professor: A ideia central deste parágrafo é a inexperiência governamental agravada pela total falta de consciência da sociedade. Djamila Ribeiro é evocada para fortalecer a necessidade de discutir o assunto, que carece de estímulo governamental e a discussão que, por sinal, precisa ocorrer em todos os espaços da sociedade, da sala de aula à esfera política. Há uma crítica extremamente rica neste parágrafo que valida o argumento da estudante: se não há discussão, o problema é minimizado e deixado à deriva, trazendo consigo a perda gradativa de identidade cultural ao longo das gerações, trazendo não só prejuízo cultural, mas a desestabilização econômica desses povos.
Desenvolvimento 2
Ademais, percebe-se a influência de uma ideologia que mercantiliza o ambiente na manutenção de tal entrave. “Para a ganância, toda natureza é insuficiente”: a frase, do filósofo Sêneca, critica uma concepção recorrente na atual conjuntura brasileira, segundo a qual o meio-ambiente é visto como um objeto para o lucro humano. Logicamente, tal visão mercadológica se choca com o modo de vida experienciado pelos povos tradicionais, que vivenciam um relacionamento respeitoso e recíproco com o ecossistema, fazendo uso de seus recursos sem fins exploratórios. Por conseguinte, as comunidades que vivem dessa intimidade com a natureza são altamente reprimidos pelas classes que se beneficiam do uso capitalizado e desigual do meio natural, como grandes empresas pecuaristas, que lucram da concentração de terras e do monopólio comercial, o que exclui – ainda mais – a população originária e resulta no declínio de sua cultura.
Comentário do professor: O desenvolvimento neste parágrafo discorre sobre o interesse econômico de pecuaristas e semelhantes nas terras ocupadas pelos povos tradicionais. A prática mercantilista conduz todas as reflexões trazendo, inclusive, o filósofo Sêneca e seu discurso sobre a ganância sem fim. Há um deslocamento pertinente da discussão para as questões ambientais, isto é, a exploração do meio ambiente para o lucro e o oportunismo mercadológico em detrimento da relação respeitosa que os povos originais têm com o ecossistema como um todo. O declínio de sua cultura é consequência da repressão que sofrem pelos donos e exploradores de terras que só visam o benefício próprio.
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Conclusão
Portanto, cabe ao Estado – em sua função de promotor do bem-estar social – estabelecer uma ampla fiscalização do uso comercial do meio-ambiente em áreas com maior volume de povos tradicionais, mediante a criação de mais delegacias especializadas no setor ambiental, a fim de garantir uma campanha de valorização de tais grupos por meio da divulgação de informativos em redes sociais e da realização de palestrara em escolas, de modo a enfatizar a contribuição socioambiental desses cidadãos, para, assim, conscientizar a população e possibilitar a exaltação das culturas tradicionais brasileiras.
Comentário do professor: Já a proposta de intervenção apresenta duas frentes de atuação: o Estado, que, para cumprir seu papel com o bem estar social, precisa fiscalizar com mais entusiasmo o meio ambiente e garantir a preservação dos costumes e estilo de vida dos povos originais; e a do Governo Federal, que deveria promover a valorização dos grupos divulgando suas práticas e importância social e ambiental pelas redes sociais, palestras em escolas e comunidades locais para exaltar o trabalho e a riqueza imaterial desses povos e costumes. A estrutura final é bem elaborada ao propor dois agentes e apresentar o que fazer, como fazer e para quê, sem terceirizar o problema.