Três estudantes de Pernambuco realizaram o sonho de milhões de estudantes que todos os anos prestam a prova do Enem: alcançaram a nota mil na redação. São elas: Daiane Souza, Fernanda Quaresma e Giovanna Dias. Em comum, as três compartilham algo além além da nota e do estado onde vivem, Pernambuco: elas tiveram aulas de redação com a mesma professora, a também pernambucana Fernanda Pessoa, em um cursinho de Recife.
“A gente na escola é acostumado a decorar e reproduzir. Aqui [no cursinho], eu os provoco, mostro para eles que escrever é um ato de reflexão”, diz a professora, que é responsável pela área de Linguagens e Redação no curso pré-vestibular fundado por ela e que leva seu nome.
“Eu tenho mais de 6 mil alunos presenciais e mais um tanto no online, mas eu conheço todos pelo nome. Se precisar, atendo plantão até 2 horas da manhã”, diz.
Ter estudantes com notas altas nas redações do Enem não é novidade para Fernanda. Ela conta que na edição passada do exame teve mais de três mil alunos com nota 960 e mais de mil com 980. “Dos 20 primeiros colocados de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), 18 eram meus alunos. Assim como em Direito, Odontologia e Engenharia”, afirma.
Qual seria, então, a fórmula de sucesso da professora? Segundo ela, muito amor pelo conhecimento.
“Fazer educação no Brasil é realmente muito difícil, a gente paga um preço muito alto. Eu trabalhei em 15 escolas e fui demitida de todas. Sei que nado contra a maré, mas acredito na escrita a partir de um processo crítico, como algo libertador”, conta.
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Para ensinar essa escrita libertadora, a professora aposta em aulas que enriquecem o repertório cultural do aluno e busquem estimular o desenvolvimento de um pensamento crítico.
“A gente vê todas as artes para partir para a redação: pintura, escultura, arquitetura, música, literatura, cinema e teatro. Trago para eles a necessidade de enxergar o Arcadismo como uma estratégia política, as ‘Cartas Chilenas’ como uma denúncia, o Romantismo como um projeto claro de alienação”, comenta.
Quem assiste uma aula de Fernanda diz que não esquece. A fala divertida e rica em referências da docente parece inspirar os alunos a buscar conteúdos que vão além da fórmula de texto pronto ou da frase do filósofo que todos decoram.
“Ela é uma pessoa extremamente criativa. A gente se sente inspirada e motivada para buscar coisas diferentes, se profundar nos elementos. Olhar um quadro e pensar de que forma você pode usá-lo na redação”, diz Daiane Souza, aluna nota mil que participou da versão online do curso.
“É como se a criatividade dela me inspirasse a olhar o mundo de uma forma diferente, mais crítica”, afirma.
Contra fórmulas e textos prontos
Fernanda diz que identifica um vício na maneira como se enxerga a redação do Enem. Segundo ela, a maioria dos alunos que chegam do Ensino Médio com dificuldades em redação carecem de uma visão mais ampla de mundo, perdendo muito tempo se preocupando em decorar estatísticas, frases de filósofos e outros dados.
Ela conta que durante um atendimento no plantão de dúvidas, recebeu um aluno que estava aflito por não conseguir encontrar nenhum filósofo para encaixar na sua redação sobre futebol. “Eu falei para ele ‘cita Galvão Bueno: é tetra!’, ou coloca ‘segundo Neymar, 100% Deus”, brinca.
A docente reflete que mais importante do que encaixar citações ou referências externas, é preciso antes de tudo saber defender um ponto de vista, argumentar uma tese.
“A época dos modelos prontos de redação acabou. Eu sou tratada como louca, mas é a minha luta mostrar para os alunos que o texto pronto pode até funcionar, mas ele te engessa, não permite a reflexão”, ressalta.
“Faz de conta que o tema é ‘lixo nos oceanos’. Eles vão lá e procuram na internet ‘quem joga lixo no oceano’, ‘dados sobre lixo no oceano’, ‘filósofos que falam de lixo no oceano’. Se na hora H o tema vier ‘lixo nos rios’, já danou tudo. Se vier ‘lixo eletrônico’, pior ainda”, diz.
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O método da professora é apresentar ferramentas de repertório divididos por eixos. Em 2021, as 35 semanas letivas foram divididas em cinco eixos temáticos: política, economia, sociedade, meio ambiente e cultura. Neste ano, as aulas seguirão os 17 objetivos da Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Óbvio que não é o repertório sem a técnica, antes de entrar em repertório, a gente dá o nome às partes do texto, treina o esqueleto, mas tudo sem se limitar, sem se permitir ficar engessado. Quero que os alunos coloquem os conteúdos no texto à medida que pensem e vão costurando as ideias”, explica.
A docente procura trazer teóricos e autores que vão além dos mais decorados pelos estudantes. “Meu Deus do céu, o Bauman! Tudo é líquido, modernidade líquida, amor líquido, isso para mim é bexiga baixa! Tem uma galera maravilhosa estudando Brasil neste exato momento, isso não pode ser em vão, temos que valorizar isso”, comenta.
Sobre a utilização das, cada vez mais comuns, referências da cultura pop na redação, ela brinca que quando percebe que tem muita gente usando a mesma coisa, costuma fugir.
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“A gente até brincou de usar ‘Round 6′ na redação, mas eu defendo uma abordagem diferente. Por exemplo, para falar de ‘Parasita’, ‘O Poço’ e ‘Round 6’, eu poderia escrever: ‘percebe-se que nos últimos anos, as plataformas de streaming têm naturalizado o processo de violência como um palco para uma crítica à sociedade atual. Ao entender que na mesma proporção que acontece no cinema mundial, isso acontece também no Brasil, vemos que a sociedade ainda não entende esse processo, visto que ‘Bacurau’ não teve a mesma popularidade’”, conclui. Captou?
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