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Repertórios que poderiam ter sido citados da redação da Fuvest 2023

Referências externas como filmes, conceitos e livros demonstram para o corretor que o candidato tem senso crítico

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 13 jan 2023, 15h28 - Publicado em 13 jan 2023, 15h08
Retirantes, de Candido Portinari (1944)
Retirantes, de Candido Portinari (1944)  (MASP/Divulgação)
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Um dos elementos analisados pelos corretores de redação da Fuvest é a forma como o candidato consegue relacionar o tema proposto pela banca com seu repertório sociocultural. Ir além dos textos de apoio da coletânea e mostrar a capacidade de construir uma boa argumentação com referências culturais é um diferencial que pode ajudar na conquista de uma nota mais alta.

Por isso, é importante que, ao longo do ano, os estudantes busquem enriquecer o repertório com diferentes elementos que, eventualmente, podem se encaixar em propostas de redação. No fim, você não está apenas estudando para a redação, mas ampliando sua visão de mundo e desenvolvendo um olhar mais crítico da realidade – e é justamente este tipo de aluno que a USP está buscando. 

Que tal praticar um pouco esse exercício de repertório?

Já pensou quais filmes, livros, conceitos ou pensadores poderiam ter sido explorados na redação da Fuvest 2023, cujo tema foi “Refugiados ambientais e vulnerabilidade social”? O GUIA DO ESTUDANTE conversou com Arthur Medeiros, coordenador de redação do Poliedro Curso, e Felipe Leal, professor de redação do Curso Anglo, para te ajudar nessa tarefa.

Quadro “Os Retirantes”, de Candido Portinari

quadro os retirantes, de candido portinari
(Candido Portinari/MASP/Divulgação)

“Os retirantes” é uma das obras mais famosas de um artista brasileiro que retrata com maestria o tema proposto pela Fuvest. Na pintura de Portinari, as feições sombrias, a desolação da paisagem e a condição de subnutrição das personagens deixa evidente que o motivo do êxodo da família em questão é a falta de condições ambientais de sobrevivência. 

Os pés descalços das personagens e as roupas esfarrapadas também deixam evidente a vulnerabilidade das pessoas retratadas – o que também fazia parte do tema. Além de ajudar a contextualizar o tema, “Os Retirantes” também poderia ser um gancho para falar da importância da representação artística deste assunto.

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Filme “Interestelar”

filme interinstelar
(Interinstelar/Divulgação)

Uma superprodução dos cinemas que, por meio da ficção, leva ao extremo o problema do êxodo causado por fatores ambientais. Na obra de Christopher Nolan a humanidade se vê forçada a elaborar um plano para deixar a Terra, pois as condições de vida foram destruídas pelo comportamento de uma sociedade consumista, que esgotou os recursos naturais do planeta. 

Aqui também cabe a reflexão sobre desigualdades: no filme, apenas as pessoas extremamente privilegiadas conseguiriam o benefício de fugir de um planeta deserto. Aos mais vulneráveis, não caberia escolha alguma, sendo obrigados a sofrer as consequências das escolhas da sociedade. 

As tragédias de Mariana e Brumadinho (MG)

barragem de Mariana
Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Citar acontecimentos factuais, como desastres ambientais ou eventos históricos, também é uma forma de demonstrar repertório na redação. No caso do tema da Fuvest 2023, o candidato poderia resgatar o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, que degradaram gravemente a flora e fauna local, deixando muitos locais inabitáveis.  

Os acontecimentos em questão poderiam ajudar a ilustrar como condições ambientais hostis forçaram o deslocamento, principalmente das populações mais vulneráveis que ficaram sem amparo. Também caberia apontar as empresas privadas como responsáveis pela tragédia. 

Sociólogo Zygmunt Bauman 

Foto de Zygmunt Bauman
Queridinho dos alunos, Zygmunt Bauman é o pensador da modernidade líquida (Narodowy Instytut Audiowizualny/Reprodução)

O sociólogo polonês defende que vivemos em uma sociedade de consumidores que é voltada à compra de produtos fúteis e descartáveis, com predomínio de um pensamento individualista – tudo isso faz parte da “modernidade líquida”.

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Dessa forma, seu pensamento poderia ter sido mobilizado para explicar porque o mundo contemporâneo é tão insustentável e acaba gerando fenômenos como os de refugiados ambientais. 

Filme “Não Olhe Para Cima”

Os protagonistas do filme, os cientistas Kate e Randall fazem expressões de choque em entrevista para um programa jornalistico.
O cientistas Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) vão à TV para tentar sensibilizar a opinião pública sobre o perigo que a humanidade está correndo, mas encontram âncoras com a ânsia de tornar todo e qualquer tema mais leve (Netflix/Divulgação)

Uma das engrenagens que sustenta a devastação ambiental é a própria negação de que ela está em curso. Este negacionismo faz com que parte da sociedade ignore os alertas de que o planeta está em risco e a causa é a própria ação humana.

Indiretamente, essa lógica acaba por produzir refugiados ambientais. 

O tema poderia ser mencionado por meio do filme “Não Olhe Para Cima”, que critica tendências negacionistas na cultura e na política atual.

Livro “Terra Sonâmbula”, de Mia Couto

livro terra sonâmbula
(Giovanna Fontenelle/Guia do Estudante)

No livro “Terra Sonâmbula”, que estava na lista de leitura obrigatória da Fuvest 2023, os personagens Tuahir e Muidinga se deslocam de sua região de origem buscando fugir dos horrores da guerra civil moçambicana.

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Não é o mesmo caso dos refugiados ambientais, mas seria possível traçar um paralelo: os efeitos da devastação ambiental são tão graves que forçam pessoas a deixar sua cidade, região ou país assim como ocorre com aqueles que atravessam uma guerra. As condições ambientais podem se tornar tão hostis quanto um conflito armado. 

Conceito de necropolítica

operação policial e necropolítica
Operação policial nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Outra possibilidade seria mobilizar o conceito de necropolítica, de Achille Mbembe, para a discussão. De acordo com essa ideia, o Estado moderno opera de modo a deixar parte das suas populações em situações que podem levá-las à morte, enquanto outros têm o direito à vida digna protegido. Haveria então uma parcela da população “matável”, definida sobretudo a partir de critérios raciais. Os refugiados ambientais seriam um exemplo desse grupo no mundo global.

Canções “Asa Branca” e “Triste Partida”, de Luiz Gonzaga 

Ambas as canções tematizam as difíceis condições enfrentadas pelos retirantes nordestinos. A citação poderia dialogar com a presença, entre os textos de apoio, do trecho do romance Vidas Secas.

Triste Partida conta a história de uma família de nordestinos que sofre com a chuva que nunca vem, decidindo, por fim, vender o pouco que tinha e mudar-se para São Paulo.

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Documentário “O Sal da Terra”

êxodos sebastião salgado
Fotografia parte da mostra Êxodos, de Sebastião Salgado. (Sebastião Salgado/Divulgação)

O documentário retrata a história de Sebastião Salgado – um dos mais respeitados fotógrafos do mundo, com uma de suas fotografias na coletânea da proposta de redação – em suas andanças ao redor do planeta para registrar e expor elementos naturais e sociais. 

“O Sal da Terra” passa pela história da construção da obra “Exodus”, em que Salgado fotografa movimentos migratórios forçados ao redor do mundo – muitos deles causados pela devastação ambiental. A partir do documentário (ou do próprio livro de Salgado), o candidato poderia apresentar a abrangência global do problema dos refugiados ambientais e como o impacto das mudanças climáticas é bem mais severo entre populações mais vulneráveis.

Conceito de Ética da Responsabilidade, de Hans Jonas

Filósofo Hans Jonas
(Youtube/Reprodução)

Segundo esse conceito do filósofo alemão Hans Jonas, as ações humanas devem levar em conta as consequências para as futuras gerações. O candidato poderia afirmar que o desrespeito a esse princípio no passado levou muitos a emigrarem forçadamente por razões ambientais nos dias atuais.

Livro “O Quinze”, de Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz
Rachel de Queiroz, escritora e jornalista. (Paulo Jares/Editora Abril)

O livro “O Quinze” trata da história de um casal de retirantes que, fugindo de uma das piores secas do nordeste brasileiro no século 20, decidem partir rumo ao Amazonas, enfrentando uma série de percalços como a fome, a dor emocional das famílias e o convívio diário com a morte. 

É um exemplo de como pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social podem se tornar refugiadas dentro do próprio país.

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Redação
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