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Tema de redação: pirataria digital e acesso à cultura

Entenda o que motiva a pirataria online e saiba como abordar o tema em um texto argumentativo

Por Giulia Gianolla
Atualizado em 14 Maio 2021, 13h37 - Publicado em 12 Maio 2021, 20h43
Pessoa de costas ao centro, em frente a um computador e um teclado. Na tela, uma caveira e dois ossos, símbolo da pirataria.
 (Juliana Vitória/Guia do Estudante)
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Em algum momento dos últimos anos, andando em algum centro comercial, você provavelmente já se deparou com ambulantes – os chamados camelôs ou marreteiros – vendendo cópias ilegais de CDs e DVDs. Independentemente da região do Brasil, o cenário é parecido: uma banquinha improvisada ou um saco de lixo estendido no chão, saquinhos plásticos e capas de xérox protegendo os últimos lançamentos do cinema. As promoções e venda das cópias a preço de banana é possível  porque parte dos camelôs não pagam direito autoral e imposto. Evidentemente, há ambulantes com regulamentação em dia e nem todo produto é pirataria.

Talvez você também já tenha se deparado com o ‘rapa’: a fiscalização chega na rua dos camelôs e vira uma correria. Os ambulantes fogem em disparada, levando o que conseguem dos produtos, e se escondem até que seja possível voltar a vender sem ser pego e ter a mercadoria apreendida.

Tráfego de consumidores e camelôs na Rua 25 de Março, em São Paulo
Tráfego de consumidores e camelôs na Rua 25 de Março, em São Paulo. (Wikimedia Commons/Divulgação)

No entanto, essas cenas já não são tão comuns depois da ascensão de produtos digitais, streamings e das redes sociais

Não que a pirataria tenha sumido – muito pelo contrário -, mas agora ela tem outra cara. Serviços de streaming ilegais dispõem de catálogos imensos. Os produtos que antes eram vendidos na esquina agora podem ser encontrados facilmente dentro de casa em plataformas online. E com a necessidade de distanciamento social durante a pandemia do coronavírus, a busca por pirataria digital se intensificou ainda mais.

Tema de redação: pirataria digital e acesso à cultura
O consumo de streaming e pirataria digital aumentou na pandemia. ()

O impacto da pandemia

Em março de 2020, a pandemia da Covid-19 forçou o país a ficar em casa – ou tentou, pelo menos. E assim, esse processo de digitalização foi muito acelerado, uma vez que era a única alternativa para muitos setores da economia. Uma prova disso foi o crescimento em 73,88% em vendas do e-commerce brasileiro em 2020, segundo o índice MCC-ENET

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Os streamings também sentiram o impacto: o Globoplay, streaming da Globo, teve aumento de 145% no número de assinaturas em comparação com o ano anterior; a Netflix atingiu a marca de 200 milhões de assinantes; e juntos, os dois streamings somam mais assinantes do que a TV paga no Brasil.

Por outro lado, o compartilhamento ilegal de conteúdo também foi facilitado. Segundo dados do SimilarWeb, só nos dois primeiros meses da pandemia, os dez maiores sites de pirataria no Brasil cresceram quase 50%. 

O professor Victor Varcelly, advogado e mestre em Comunicação na Contemporaneidade, explica: “Hoje copiar é muito mais fácil. Quantas vezes, na época de escola, a gente não pegava um caderno de um colega para copiar e era um trauma? Às vezes, se gastava uma hora fazendo só isso. Aí veio a xerox e, em segundos, já se tinha uma cópia. Agora, no digital, com duas teclas já é possível fazer isso.”

A pirataria e os direitos autorais

A Lei de Direito Autoral (Lei 9610/98) protege artistas e produtores de conteúdo da pirataria desde 1998. Apesar de ser anterior à era dos streamings e do compartilhamento em massa das redes sociais, ela ainda pode ser aplicada nesses casos. Veja:

“Lei de Direito Autoral (Lei 9610/98) Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

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I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; […]

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

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VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;[…]

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador;

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XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.”

O professor Varcelly destaca um trecho: “obras expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.” Isso significa que o e-book e o streaming são protegidos pela lei de direito autoral,  mesmo sendo produtos que surgiram depois da lei.

Mas a lei do direito autoral é efetiva?

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A pirataria moderna não é simples de ser identificada. ()

“Antes, era mais fácil ter o controle da tiragem de um jornal ou de um DVD, por exemplo. Hoje em dia, como saber se a pessoa copiou ou não, se reutilizou para criar outro conteúdo?”, diz Varcelly. “Quem cria conteúdo digital nas redes sociais ainda não tem a estrutura e o suporte necessários para identificar essas fraudes”.

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Claro, existem tentativas de proteção ao direito autoral. Algoritmos como o do YouTube conseguem identificar alguns conteúdos reproduzidos ilegalmente, por exemplo. Dependendo do caso, os vídeos são desmonetizados, mutados ou até derrubados por completo da plataforma. Ainda assim, essa identificação nem sempre é perfeita e deixa passar usos indevidos de áudio ou imagem.

O acesso à cultura

Sim, a pirataria é crime. Mas qual a alternativa quando não se tem dinheiro para pagar um ingresso de cinema ou uma assinatura? Com cortes de gastos do governo na Cultura, festivais cancelados por conta da pandemia… Para onde pode recorrer o jovem quando o acesso aos filmes e séries é tão caro para um gasto adicional? A prioridade na casa de muitos é pagar as contas, comprar a comida do dia seguinte, garantir o material escolar do irmão. Antes de pagar os R$30 do streaming, é necessário ter uma internet de qualidade, uma televisão, um computador, celular que suporte. Tudo isso torna o preço final do acesso à internet alto. E na tentativa de guardar um dinheiro – ou de não deixar faltar -, muitos buscam a pirataria.

Chegamos, então, a um dos motivos para o alto índice de pirataria no Brasil: a forte desigualdade socioeconômica, que tem se agravado na pandemia. Em novembro de 2020, o IBGE estimou que quase 52 milhões de brasileiros vivem na pobreza. Isso significa que, a cada mês, essa parcela da população ganha no máximo R$ 436. Para efeitos de comparação, o preço médio de uma cesta básica está em R$ 1.014,63.

O acesso à cultura também depende de dinheiro. “Os meios de comunicação tecnológicos passaram a intermediar grande parte das nossas trocas culturais”, explica Varcelly. “Isso significa que, quando a gente entra em contato com a cultura, geralmente é por meio de um jornal, um streaming, alguma tecnologia. A música, o cinema, a arte, hoje todos são muito permeados pelos meios tecnológicos”. E quando colocados em perspectiva com a realidade socioeconômica brasileira, os streamings não são compatíveis com o bolso de grande parte da população. Tema de redação: pirataria digital e acesso à cultura

Um é caro, dois é demais

Se pagar um streaming é quase um privilégio, imagine dois ou três.

“Hoje, dentro do cenário dos streamings, a gente tem uma fragmentação cada vez maior do mercado”, diz o professor Varcelly. “Se antes tinha a Netflix, agora temos Amazon, Netflix,  Disney+,  HBO GO, HBO Max, Globoplay, etc. E apesar de, aparentemente, serem serviços considerados baratos individualmente, eles não são realmente baratos. Na situação econômica que a gente vê no Brasil, pensar em ter tudo isso é inviável. Nem todo mundo tem a possibilidade de pagar 3, 4 serviços.”

Ô, tentação…

Aí que entra a magia da propaganda. Mesmo quem não tem possibilidade de bancar assinaturas continua sendo exposto ao catálogo dos streamings: assistindo TV, no transporte público, no Instagram no vídeo de um influencer, na conversa com amigos. E não dá outra! Na tentativa de se sentir incluído na conversa e na moda, muitas vezes se busca outro acesso aos filmes – ocasionalmente de maneira ilegal.

Uma das divulgações da série Stranger Things em outdoor na baldeação da Linha Amarela com a Linha Verde no metrô de São Paulo
Uma das divulgações de série na baldeação da Linha Amarela com a Linha Verde no metrô de São Paulo. Impossível passar despercebida, né? (Giro 18/Divulgação)

O professor Victor reforça, no entanto, que esse movimento não é uma justificativa para a pirataria. Não se pode ignorar a parcela de pessoas com alto poder aquisitivo que continuam consumindo conteúdo pirata, que o fazem por uma série de motivos distintos.

“Acho que já gasto muito com streaming. Não tem necessidade pagar outro. Posso ver na internet”, diz *Maria. Já *Paula diz que é difícil encontrar certos filmes: “Só busco na internet [serviço pirata] quando é um filme mais velho, que não tem na Netflix ou na Amazon”.

*Enzo conta: “Eu pago vários streamings, mas tem vezes que não tem jeito. O filme lança nos Estados Unidos, o Twitter enche de spoiler e na semana seguinte não é mais novidade. Aí eu vejo na internet no dia do lançamento, mesmo quando ainda não lançou oficialmente no Brasil.”

Não existe uma resposta fácil, pois, como explica o professor Victor Varcelly, “é um cenário muito complexo. A gente tem que tentar entender esse cenário mais amplo, pensar também em outras pressões sociais que estão inseridas no nosso dia a dia”, conclui.

E como resolver? 

Pensando em uma redação, chegamos à proposta de intervenção. Mas, assim como o resto do panorama, esta parte não é tão simples. Em uma primeira análise, a solução para o consumo ilegal da cultura é… mais cultura: “Acho que uma grande forma de combater a pirataria – e aqui eu acho que grande parte do mercado está entendendo isso – é disponibilizar conteúdos a um preço mais acessível para a população”, diz Victor. Nisso, se inclui períodos de uso grátis dos streamings, episódios gratuitos para não assinantes, combos – como o ofertado pelo Globoplay em parceria com o Disney+ -, entre outros.

Não é à toa que, antes da pandemia, o mercado de streamings de filmes e música vinha ameaçando a pirataria. Com a popularização do Spotify e da Netflix, o consumo de conteúdos piratas caiu muito, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Outra alternativa é o aumento de políticas públicas de acesso à cultura. Um bom exemplo são os Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs) criados pelo ex-ministro da cultura Gilberto Gil. Nos CEUs a população tem acesso a peças de teatro, recitais e uma série de atividades culturais  grátis.

É possível erradicar a pirataria?

O professor Victor Varcelly considera essa possibilidade “pouquíssimo viável”. Para ele, a pirataria é um reflexo das mudanças inerentes à sociedade. Quando surge uma demanda, cria-se um mercado. E a pirataria não deixa de ser um sintoma disso, uma vez que reflete alguma incompatibilidade do que é ofertado para o público que procura aquele produto.

Como explica o professor, a demanda de serviços de hoje surgiu a partir de práticas que antes eram consideradas ilegais. Lá atrás, no surgimento do hip hop, por exemplo, o uso dos samples [pedaços de outras músicas para criar a melodia da obra] era considerado pirataria, uso ilegal do conteúdo. Hoje, o sample foi regulado e já é uma prática muito comum. Assim, cabe também ao mercado se adaptar às novas demandas da sociedade para que certos consumos saiam da ilegalidade e sejam incluídos nas engrenagens do comércio formal.

*Nomes fictícios. Os entrevistados não quiseram divulgar os nomes

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