Depois de uma pandemia marcada por fake news, desinformação e resistência em relação às vacinas, o Ministério da Saúde enfim trouxe uma boa notícia no final de março. A cobertura vacinal, em queda desde 2016, voltou a recuperar terreno, com aumento de adesão de 13 das 16 vacinas recomendadas do calendário infantil no país.“Estamos vivendo uma virada. Uma virada na direção de alcançarmos coberturas vacinais necessárias para a proteção de nossas crianças, de nossa sociedade, de nossos adolescentes”, afirmou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ao apresentar os dados. Mas a ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz também reconhece que o trabalho não está concluído.“Foi uma virada com muita luta. Devemos sim celebrar, mas também apontar os caminhos que temos pela frente”, avaliou. Prova do trabalho pela frente, por exemplo, é o avanço lento da atual campanha de vacinação contra a gripe. De acordo com levantamento do jornal O Globo, somente 22% do público alvo receberam o imunizante até o momento.A campanha contra a dengue sofre do mesmo mal: o governo estuda como redistribuir doses próximas do vencimento, já que a procura está abaixo do esperado. “[...] se não houvesse um negacionismo às vacinas, certamente as famílias estariam levando as suas crianças e seus jovens para serem vacinados", afirmou a ministra da saúde no Senado.Entenda a origem do movimento antivacina, como o negacionismo afeta a saúde pública e qual o papel do governo na reverção do quadro.+ Como se faz uma vacina?O papel do Estado no incentivo à imunizaçãoAs ações do governo certamente influenciam em como a população reage às vacinas, e a pandemia de covid-19 demonstrou isso na prática. No Brasil, o negacionismo do ex-presidente da república, Jair Bolsonaro, foi um dos motores para o crescimento do movimento antivacina no país. Em março de 2020, ele apontou a covid-19 como uma "gripezinha". Mais tarde, indicou remédios sem comprovação científica, como a cloroquina, para tratar a doença. Parte da população correu às farmácias, esvaziando as prateleiras e fazendo o preço do medicamento disparar.As falas de Bolsonaro foram como pólvora para disseminação de mais informações falsas nas redes sociais. Uma delas alegava que a vacinação levaria à doença de miocardite – outras, mais mirabolantes, faziam associações com o governo chinês e com o implante de chips.Tudo isso demonstra que o Estado tem um papel fundamental no compartilhamento de informações relevantes sobre a vacinação, passando não apenas informações verdadeiras, mas ampliando sua comunicação para atingir a maior quantidade possível de pessoas. Este desafio permanece mais atual do que nunca com a atual epidemia de dengue.Em entrevista para a BBC, o médico epidemiologista André Ribas Freitas, professor da Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas, avalia que falta uma divulgação sistêmica do cenário por parte do governo. Ao mesmo tempo, afirma, a população não dá tanta importância à doença, porque a compara com o cenário da pandemia e avalia que seja menos grave. "Nem toda infecção vai ter consequências tão graves, mas isso não quer dizer que sua proteção deixe de ser importante", aponta o médico. + O que é negacionismo e como ele apareceu ao longo da HistóriaDesinformação como vilã da saúde públicaO linguajar utilizado em notícias falsas é um dos fatores por trás do sucesso do movimento antivacina. “Se eu começo a receber diversas informações e não tenho o conhecimento científico, isso acaba me influenciando, então eu acredito que é melhor não me arriscar” aponta a médica e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Flávia Bravo, em entrevista para o Lamparina, portal de notícias da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).No mundo, uma das maiores desinformações propagadas sobre o assunto foi em relação à vacina tríplice viral (MMR), usada contra a rubéola, sarampo e caxumba. O britânico Andrew Wakefield publicou em 1998 um artigo recheado de dados falsos associando o imunizante ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), alegando que ele era culpado por "desenvolver" autismo nas crianças. Uma das consequências desse artigo foi o retorno do sarampo nos Estados Unidos em 2005.+ Alguém pode ser punido por não se vacinar?Origem do movimento antivacina e sua adesão ao longo dos anosEmbora o artigo de Andrew Wakefield tenha sido o estopim para o movimento antivacina na contemporaneidade, ele está longe de ser atual. O primeiro levante contra as vacinas veio com a epidemia de varíola, na Idade Média. Os adeptos do movimento, na época, foram líderes religiosos que acreditavam que as doenças eram punições divinas.Bem mais tarde, em 1880, surgiu a primeira organização contra imunização, a Sociedade de Londres para a Abolição da Vacinação Obrigatória. No Brasil, o primeiro levante foi a Revolta da Vacina em 1904, onde um grupo se colocou contra a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Depois do artigo de Wakefield em 1998, os levantes conta a vacinação voltaram, especialmente entre pais. Peter Hotez, reitor da Universidade de Medicina de Baylor, em Houston, Texas, definiu em entrevista para o The New York Times o movimento antivacina norte-americano como forte, bem organizado e bem fundado, o que impossibilitou sua mitigação após a pandemia de covid-19.+ Entenda o que é o movimento antivacinaEntre no canal do GUIA no WhatsApp e receba conteúdos de estudo, redação e atualidades no seu celular!