“Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” ganha versão ampliada
Livro narra versões inusitadas, às vezes polêmicas, da história do país
Você já ouviu por aí que Santos Dumont inventou o avião e o relógio de pulso, certo? Já deve ter ouvido também que Zumbi dos Palmares foi o primeiro a lutar pela liberdade dos escravos negros no Brasil Colônia e que Carnaval e feijoada surgiram por aqui. Mas o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, livro do jornalista Leandro Narloch, que ganhou versão ampliada, mostra que as coisas não são bem assim…
A ideia de Narloch, que escreveu sobre novos temas para a segunda edição do livro, era fazer uma pequena revisão na história brasileira, apanhando alguns temas polêmicos. Para ele, alguns pontos da história viraram tabus, foram transformados em verdades absolutas, fazendo com que uma mesma versão venha sendo passada de geração em geração, sem olhar crítico e debate.
“Politicamente correto é a defesa cega desses temas considerados tabus, que não são debatidos ou questionados sem que olhem com cara feia, como se você fosse antipatriota, antiético. Zumbi, Santos Dumont, índios, escravos e ditadura militar são alguns desses temas”, diz o autor.
Na questão dos índios, por exemplo, aprende-se logo que eles, inocentes e bondosos, foram enganados pelos europeus ao trocar quinquilharias por riquezas naturais. Mas, segundo o livro, a ideia de um índio bom e um português mal é maniqueísta, surgiu após a visão romântica trazida pelo indianismo do Romantismo do século 19, que se inspirava no bom selvagem do filósofo Jean-Jacques Rousseau.
Narloch alerta que muitos índios ajudaram os portugueses nas bandeiras, trocavam de nome para se juntar a eles e também participavam de guerras para dominar outras tribos.
– Confira alguns temas de história que estão sendo atualmente rediscutidos
Mas o que fazer na hora do vestibular? Se antigos estudos dizem uma coisa, mas novos livros trazem novas versões, o que responder em uma prova?
Para Jucenir da Silva Rocha, professor de história do Anglo Vestibulares, de São Paulo, novas ideias não são absorvidas do dia para a noite pelos vestibulares.
“Há várias interpretações na historiografia brasileira que novos documentos e pesquisas vão adicionando aos poucos, trazendo novas ideias e versões. Este livro traz algumas dessas novas interpretações. As coisas recentes que saem da academia vão sendo absorvidas aos poucos. Versões deste livro não vão aparecer agora no vestibular”, afirma.
“Meu conselho é que o aluno tenha bom senso, tente entender a visão daquele vestibular. Procure por pistas no enunciado de questões de múltipla escolha, por exemplo, para entender o que aquela prova quer como resposta. Mas aconselho principalmente que o aluno leve mais em consideração as orientações dadas em sala e nos livros adotados pelos professores”, diz Jucenir.
“Eu não indicaria [o livro de Narloch] como material didático, ele é muito novo para ser absorvido e adotado pelos vestibulares. Mas serve para quem estuda história de uma maneira geral, está em busca de curiosidades, novas visões. E há outros bons livros de história escritos por jornalistas como 1808 e 1822, do Laurentino Gomes”, completa.
Para o professor Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo, há muitos trabalhos acadêmicos bons nas universidades, que trazem novas análises sobre esses ‘temas polêmicos’, mas que muitas vezes ficam lá dentro e são subaproveitados, não viram livros.
“Mas dos que viram livros há, por exemplo, Maldita Guerra [de Francisco Dioratiotto, lançado em 2002], que derruba mitos da Guerra do Paraguai. E há outros estudos que rediscutem pontos que caíram no senso comum e nem são ‘novos’. Devassa da Devassa [de Kenneth Maxwell, de 1973], por exemplo, sobre a Inconfidência Mineira, caiu no esquecimento por algum motivo, não foi devidamente analisado, e agora voltou à tona, derrubando alguns mitos”, analisa Villa.
Sobre a presença de ideologias na historiografia brasileira, o professor alerta: “Qualquer estudo tem carga ideológica, o presente impõe leituras à história. O professor de história na universidade geralmente apresenta diferentes leituras de um mesmo tema. Mas há, sim, alguns cursos com forte carga ideológica, favorecem um dos lados”, diz.
Para Narloch, é preciso tomar cuidado com ideologias. “A história que aprendi na escola era meio ranzinza, uma espécie de bronca e muito ideologizada. Quis fugir disso. Os professores têm que ficar atentos aos limites da posição ideológica em sala de aula, não podem levar visões de partido para lá”, afirma.
Nos vestibulares
Uma pesquisa rápida nos últimos vestibulares já é suficiente para achar algumas questões que abordam justamente esses temas que atualmente estão sendo revisitados e rediscutidos em novos trabalhos acadêmicos.
Na Fuvest, por exemplo, de 2007 a 2011, considerando questões de história de ambas as fases do vestibular, há 20 perguntas sobre estes assuntos polêmicos, como a questão do negro e escravidão, Guerra do Paraguai, Canudos e o período monárquico brasileiro. No vestibular da Unicamp, cinco questões abordaram estes temas entre 2010 e 2011.
A questão 6 da segunda fase da Fuvest 2008, por exemplo, diz: “A extinção do tráfico de escravos africanos no Brasil ocorreu em 1850”. E pergunta sobre o papel da Inglaterra nessa decisão.
Um cursinho de São Paulo, em sua correção, responde: “O Império Britânico, então na condição de potência econômica e político-militar, exerceu fortes pressões sobre o Brasil para que o tráfico negreiro fosse gradativamente extinto. Invocando o compromisso estabelecido nos Tratados de 1810, o parlamento londrino aprovou o chamado Bill Aberdeen, em 1845, pelo qual o comércio de escravos passou a ser militarmente reprimido”.
Já outro cursinho responde: “Desde 1810 os britânicos pressionavam pelo final do tráfico de escravos para o Brasil. Entre os motivos que levaram a Inglaterra a adotar essa posição, podemos citar, entre outras, razões humanitárias, o favorecimento da produção açucareira britânica na Índia e a necessidade de ampliar seus mercados de consumo devido à Revolução Industrial”. A resposta, longa, ainda cita o Bill Aberdeen e a Lei Eusébio de Queirós.
Para Leandro Narloch, “a primeira resposta está técnica e neutra, sem problemas. Mas a segunda esbarra num equívoco antigo. A necessidade da Inglaterra em ampliar o mercado consumidor. Não passava pela cabeça de nenhum negociante inglês a ideia de que ele poderia ganhar dinheiro perdendo seus escravos. Quem é que embarcaria numa atividade sabendo que seu retorno não viria antes de 50 anos? O mito da abolição por interesses econômicos é uma informação errada que tem um objetivo político: desmerecer a luta humanitária iniciada por uma grande potência”.
Como explica o professor Marco Villa, havia pressões fortes no Brasil de cunho político e ético pelo fim da escravidão. “Houve mobilização popular nas capitais, estudantes e intelectuais, junto com a classe média urbana, tiveram papel importante. Da Inglaterra, vinha pressão, também de cunho ideológico. [O escritor] Victor Hugo escreveu a Dom Pedro II pedindo a abolição, Joaquim Nabuco escreveu O Abolicionismo e publicou a primeira edição por lá”, diz.
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