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O que as enchentes no Sul têm a ver com as mudanças climáticas

Aquecimento global se agrava e as mudanças no clima provocam situações extremas em diversos pontos do planeta

Por Paulo Zocchi
Atualizado em 9 Maio 2024, 12h20 - Publicado em 9 Maio 2024, 10h00

Uma catástrofe sem precedentes alcançou o Rio Grande do Sul no final de abril de 2024. Chuvas intensas atingiram o Estado, provocando cheias nos rios e enchentes inéditas em um grande número de cidades. Em 8 de maio, quando esta matéria foi concluída, cerca de 80% dos 497 municípios gaúchos estavam em estado de emergência, o número de mortos já passava de cem e mais de 200 mil pessoas tinham saído de suas moradias.

No Brasil inteiro havia uma corrente solidária de apoio ao povo gaúcho, desde o governo federal, passando por diversas instituições de estado e por grande número de entidades da sociedade civil. Espontaneamente, milhares de brasileiros enviavam doações aos rio-grandenses.

Os moradores do Rio Grande do Sul enfrentam um enorme drama social, cujas causas, aparentemente naturais (chuvas fortes), são ao menos em parte provocadas pelas próprias ações humanas. As chuvas inéditas só podem ser entendidas no cenário das chamadas “mudanças climáticas”, que atingem os mais diversos cantos do planeta.

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Impacto climático

Quando falamos das mudanças no clima, o que há alguns anos era uma previsão de futuro tornou-se hoje uma realidade presente, que precisa ser encarada com urgência. O impacto das ações humanas sobre o ambiente (englobando o clima, a biodiversidade, os oceanos e os ecossistemas) está causando mudanças no planeta de formas variadas e profundas.

Há algumas décadas, os cientistas alertavam que uma série de atividades humanas relacionadas à geração de energia – como a queima de combustíveis fósseis, o descarte de resíduos, o uso intensivo do solo e o desmatamento – estavam interferindo na dinâmica climática, ao aumentar na atmosfera o volume de gases com a propriedade de absorver a radiação infravermelha (calor), com destaque para o dióxido de carbono (CO2), mas também o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e outros.

A princípio, esse alerta provocou críticas de céticos, políticos e economistas. Hoje, poucos duvidam que o aquecimento global esteja ocorrendo: além de causas naturais (como variações na radiação emitida pelo Sol e nos movimentos cíclicos da Terra), a ação humana está interferindo de modo significativo nas mudanças climáticas.

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Em junho de 2023, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), alertou que o mundo devia estar preparado para eventos climáticos extremos, como ondas de calor mais intensas, causadoras de incêndios, secas ou fortes tempestades, resultando em inundações. São eventos que provocam impactos na vida e na saúde das pessoas, na agricultura, na produção de alimentos, no ambiente das cidades e no equilíbrio dos ecossistemas.

A preocupação já vinha de longe. Alguns exemplos no Brasil: em 2011 e 2022 ocorreram enchentes devastadoras em Petrópolis, no Rio de Janeiro; em 2014, o Estado de São Paulo passou por uma crise hídrica que deixou milhões de pessoas sem água. Em março de 2023, 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo após as maiores chuvas já registradas em um período de 24 horas no país; em junho e julho de 2023, quatro ciclones abalaram o nordeste do Rio Grande do Sul e o sudeste de Santa Catarina, um deles considerado “o maior desastre natural nas últimas quatro décadas no Rio Grande do Sul”. Isso um ano antes do que ocorre agora!

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O que é o efeito estufa

Em condições normais, a atmosfera é constituída principalmente de nitrogênio e oxigênio. Outros gases estão presentes em pequenas quantidades, incluindo os que têm a propriedade de reter calor. É um fenômeno natural, chamado efeito estufa. Graças a ele, o planeta conserva a temperatura média em torno de 15ºC, ideal para a existência de água líquida e dos seres vivos.

Acontece que o aumento do teor de gases de efeito estufa (GEE), como o CO2 e o metano, principalmente desde o início da Revolução Industrial (século 18), está retendo cada vez mais calor na atmosfera. É o chamado aquecimento global, que provoca as mudanças climáticas, ondas de calor, de frio, muita chuva concentrada em um pequeno espaço de tempo e secas prolongadas, que variam em cada região, dependendo de fatores como direção dos ventos, das correntes oceânicas, da topografia, da umidade e outros.

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As consequências indiretas são o aumento no nível do mar – provocado pelo derretimento das geleiras e a expansão das águas dos oceanos –, o degelo no topo de cordilheiras como Himalaia e Andes – que pode prejudicar o abastecimento de água – e o desaparecimento de espécies vegetais e de animais, além da criação de condições para a eclosão de novas doenças e epidemias. As áreas aptas para o cultivo de alimentos podem diminuir, principalmente nas latitudes médias e baixas, como as zonas tropicais e subtropicais do planeta.

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El Niño

A catástrofe no Rio Grande do Sul é relacionada às mudanças climáticas e também ao fenômeno El Niño, como é chamado o aquecimento cíclico das águas do oceano Pacífico. O El Niño é um fenômeno climático caracterizado por uma liberação maior de calor do oceano Pacífico provocada pela mudança na força e na direção dos ventos. Essa alteração é natural e provoca consequências em escala global. No Brasil, por exemplo, resulta em um aumento das chuvas na região Sul e no agravamento da seca na Amazônia Oriental e no Nordeste.

Para os cientistas, o El Niño pode estar mais intenso e duradouro devido às mudanças climáticas. Mas não é só o oceano Pacífico que está esquentando. A superfície global do mar alcançou um novo recorde de temperatura média. Os oceanos nunca haviam esquentado tanto em tão pouco tempo – cerca de 0,9ºC em comparação com os níveis pré-industrialização. Segundo os pesquisadores, as águas mais quentes aumentam o nível do mar e podem acelerar o derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártida, agravando os riscos de inundações costeiras. Além disso, águas mais quentes têm menos capacidade de absorver CO2, que fica acumulado na atmosfera, reforçando o efeito estufa. O calor também está afetando algas e corais, afetando nichos de vida marinha.

As propostas do IPCC

As medidas para conter as mudanças climáticas e buscar frear a destruição do meio ambiente são debatidas internacionalmente no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), composto por cientistas de diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. Eles foram reunidos pela ONU para avaliar as mudanças no clima, apontar suas causas, efeitos e riscos para a humanidade e o meio ambiente e sugerir formas de combater tais problemas e suas consequências. Desde a sua criação, em 1988, o IPCC produziu seis grandes relatórios, sendo o primeiro em 1990 e o sexto em 2022. Este último atualiza e sintetiza as informações dos relatórios anteriores.

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Além de compilar todas as informações sobre o clima e os inventários de efeito estufa de cada país, o IPCC avalia os impactos das mudanças climáticas, de forma geral e regional, nos ecossistemas, biodiversidade e nos seres humanos. Considera nessa avaliação as vulnerabilidades, capacidades e limites da natureza e dos seres humanos para se adaptar às mudanças climáticas, além de opções para um futuro sustentável para todos e as possibilidades de mitigação, prevenção e remoção dos gases na atmosfera.

Segundo estudo da OMM, 2023 foi o ano mais quente registrado até hoje, e a temperatura média mundial já subiu 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais. Para estabilizar o aquecimento global em 2ºC, ou, de preferência, 1,5ºC, seria necessário adotar medidas em larga escala para reduzir as emissões em todos os setores da economia e em todas as regiões do planeta. Ou seja, é preciso mais eficiência produtiva, melhores práticas e novas tecnologias, com mudanças severas no modo de vida e nos padrões de extração de matérias-primas, produção de alimentos, consumo e descarte de materiais, além do manejo sustentável de florestas e outras alternativas que reduzem o impacto sobre o clima.

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Ocorre que as mudanças necessárias não avançaram e as emissões de dióxido de carbono (CO2) cresceram 67% nas últimas décadas. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera passou de 300 ppm (partes por milhão), em 1910, para 407 ppm em 2018, e 417,9 ppm em 2022.

Relatório do IPCC avalia que e impossível limitar o aquecimento global a 2ºC com as emissões atuais. Seria necessário reduzi-las 5% todos os anos, até 2050. O futuro mais provável, para os cientistas, é o de um aumento médio da temperatura global da ordem de 3,2ºC até lá, o que trará ainda mais desordens climáticas e consequências negativas.

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Mesmo com os alertas, a queima de combustíveis fósseis continua nas indústrias, na geração de energia e no transporte. O aumento das emissões também ocorre pelas alterações no uso da terra, um conceito que inclui o desmatamento de florestas para atividades agropecuárias, as queimadas para plantio, os incêndios, o crescimento de vegetação em áreas antes degradadas e a mineração ilegal.

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Este é um problema que afeta particularmente o Brasil, sendo que as alterações no uso da terra são sua principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Isso porque as florestas, em especial a Amazônica, têm um papel vital no controle do aquecimento global. Nada a ver com o velho clichê de “pulmão do mundo”. Na verdade, a floresta funciona como uma espécie de “filtro” do carbono. Em condições normais, ou seja, de equilíbrio, as florestas retiram, pelo processo de fotossíntese, o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera para estocá-lo na forma de biomassa (troncos das árvores, folhas e solo). Quando ocorre o desmatamento e as queimadas, esse CO2 é liberado na atmosfera, agravando o efeito estufa e as mudanças climáticas. Além disso, as áreas degradadas, utilizadas para pasto ou agricultura, não são capazes de reter a mesma quantidade de carbono.

O problema afeta também o cerrado, segundo maior bioma do Brasil. O solo e as plantas nativas do cerrado também retiram CO2 da atmosfera e mantêm significativos estoques de carbono. No entanto, boa parte das áreas nativas está sendo devastada pela expansão agrícola, incêndios e desmatamento.

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A floresta tem também um importante papel na regularização das chuvas da própria Amazônia, fundamental para a sua sobrevivência e para fornecer um gigantesco volume de água continente adentro – sudeste, sul e centro-oeste do Brasil, além de parte do Paraguai, Uruguai e norte da Argentina. Isso ocorre por meio dos chamados rios voadores, massas atmosféricas de água e vapor que partem da bacia amazônica e, impulsionadas pelos ventos, fluem por milhares de quilômetros pelos céus da América do Sul.

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