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Qual a diferença entre ser patriota e nacionalista?

Para entender os discursos nacionalistas (ou seriam patriotas?) que correm por aí, é preciso antes recorrer ao nascimento dessa ideia

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 3 out 2022, 09h56 - Publicado em 16 jun 2020, 14h27
 (Unsplash/Reprodução)
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Os Estados Unidos costumam classificar como “nacionalistas” governos e forças políticas autoritárias. Ou costumavam. O ex-presidente, Donald Trump, quebrou a regra geral seguida pelos antecessores e assumiu com todas as palavras ser, ele mesmo, um nacionalista. “Eu sou nacionalista. Nacionalista! Usem essa palavra!”, afirmou em um comício em Houston em 2018. 

Na mesma época, no Brasil, o então candidato à presidência Jair Bolsonaro valia-se de um discurso similar, em vários pontos, ao do presidente americano. Afirmava que traria de volta os dias de glória do país e ostentava um slogan que dizia “Brasil acima de tudo”. Já eleito, em setembro de 2019, defendeu em seu primeiro discurso na ONU que não estava ali “para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um ‘interesse global’ abstrato”. Uma clara defesa do nacionalismo. 

A diferença entre os dois casos é que Trump e os americanos parecem reconhecer o histórico um tanto quanto impopular, associado ao extremismo, que essa palavra pode ter. Já por aqui, o nacionalismo se traduz, para muita gente, apenas como um sinal de amor e defesa do país. É uma percepção que pode ser atribuída, em partes, à confusão que fazemos com o termo “patriotismo”. 

“Embora as duas ideias se confundam no discurso político contemporâneo, de um ponto de vista histórico é possível dissociarmos os conceitos de patriotismo e nacionalismo”, afirmou em entrevista ao site Nexo o doutor em História Social pela USP Daniel Gomes de Carvalho. Entenda o nascimento dos dois termos a como eles foram empregados ao longo da história.

Antes de um, o outro

Antes de o nacionalismo ganhar força com a consolidação do modelo de Estado-nação, no início do século 19, o patriotismo já fora pensado quase um século antes pelos iluministas como um sentimento de amor e valorização da própria terra, mas sem ambições de dominação. Em Teoria dos Sentimentos Morais, publicado em 1759, Adam Smith defendia que o verdadeiro patriota é aquele que, apesar do amor e da defesa da sua pátria, também fica contente em ver o desenvolvimento de outras. Seria, segundo ele, uma complementação do cosmopolitismo — pensamento filosófico que discorda de fronteiras geográficas e pensa o mundo ideal como uma única nação. 

Uma ideia bem diferente do nacionalismo começaria a ganhar força nos anos seguintes, com a Revolução Francesa. A primeira vez que o termo “nacionalismo” foi usado, na verdade, foi justamente como um insulto por insuflar um sentimento de superioridade e um suposto ódio ao outro, especialmente àqueles vistos como estrangeiros, como explicou ao Nexo o historiador Gomes de Carvalho. 

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De acordo com ele, foi o abade Augustin Barruel quem primeiro proferiu essa “ofensa” contra os revolucionários da Revolução Francesa em suas Memórias para Servir na História do Jacobinismo: “para ele, o nacionalismo era o oposto do patriotismo, pois associava-se a um amor cego ao Estado e ao ódio aos estrangeiros, tudo em nome do ‘povo’ e da ‘vontade geral’.”

Um nacionalismo que sustentasse as nações

Mas por que, afinal de contas, os revolucionários precisaram plantar a semente do nacionalismo? Bom, com o surgimento do Estado-nação e agora sem um rei centralizador e autoritário que mantivesse certa coesão e ordem do povo, era necessário que os cidadãos que formavam a “nação” se sentissem motivados a continuar juntos e pertencentes a algo maior. Por isso, no nacionalismo fala-se tanto em um único povo, com uma única história e que deve manter-se unido em prol de determinado objetivo. 

Em seu texto Notas sobre o Nacionalismo, o grande autor de distopias George Orwell faz a seguinte distinção entre patriotismo e nacionalismo: enquanto o primeiro estaria ligado a uma postura defensiva em relação aos valores e cultura de um povo, o outro diz respeito à vontade de dominação. “O propósito permanente de qualquer nacionalista é garantir mais poder e mais prestígio não para si próprio, mas para a nação ou unidade em nome da qual escolheu anular a sua individualidade”, escreve. 

O historiador Eric Hobsbawn faz a reflexão de que o sentimento de pertencimento despertado pelo nacionalismo poderia ser explorado por governantes com finalidades políticas. Não precisa nem dizer que exemplos do uso do nacionalismo com essa finalidade política temos aos montes na história — o nazismo é um deles: uma nação “ariana” com objetivos expansionistas. 

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Anular diferenças e esquecer a história

O nazismo é o exemplo máximo de uma das mais emblemáticas características do nacionalismo: a anulação das diferenças. Neste caso, houve uso da força física para exterminar algumas parcelas da população (judeus, ciganos e homossexuais) e forjar uma nação “sem diferenças”. Mas existem, é claro, casos menos extremos (mas também graves), como quando se recorre a uma estratégia de apagamento da história, afirmando que todos – negros, indígenas, LGBTs, entre outras minorias sociais – vêm do mesmo lugar e, portanto, estão em condições de igualdade. Cria-se uma ideia de união para evitar lidar com as diferenças.

Segundo Gomes de Carvalho, o nacionalismo acaba, portanto, fundando-se muito mais no esquecimento do que na memória de uma nação: “Se toda nação é feita mais de esquecimentos do que de lembranças, o discurso nacionalista pode ser utilizado pelo Estado ou pelas classes dominantes para dizer que essas diferenças, explorações e violências não existem.”

Nacionalismo no Brasil?

Dá para dizer que o Brasil já teve governos nacionalistas? Ou seriam mais patriotas? Bem, por aqui as coisas ficam meio confusas. É inegável que o nacionalismo já apareceu diversas vezes e em diferentes intensidades ao longo da história, mas sempre de maneiras sutilmente diferentes.

A ideia começou a ser forjada lá atrás, no século 19, para que se consolidasse o Império. Com uma forcinha da literatura — quem nunca se deparou com a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, ou com um trecho de Iracema, de José de Alencar, em uma questão? —  as belezas naturais brasileiras começaram a ser exaltadas, bem como os negros e indígenas foram “inseridos” como parte da nação. Nascia aí o famoso mito da democracia racial, já que, na prática, ambos eram excluídos e explorados.

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Daí em diante, a ideia de que formamos uma única e homogênea nação foi mais ou menos defendida em diversos governos, da ditadura Vargas à Ditadura Militar, mas geralmente com ressalvas em alguns campos. Alguns presidentes militares, como Castelo Branco, por exemplo, embora tivessem um forte discurso nacionalista no que dizia respeito à política interna e à cultura, foram abertos —  e considerados até “entreguistas” —  no aspecto econômico, especialmente em relação aos Estados Unidos. 

Nesse sentido, é uma contradição que parece se repetir nos dias de hoje: o nacionalismo no discurso, mas políticas econômicas liberais que caminham para o lado oposto. Some-se a isso o uso constante dos símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, e a tentativa de exclusão das diferenças por meio da inclusão, e fica mesmo difícil classificar nosso nacionalismo à brasileira. Outra particularidade, no caso do atual governo Bolsonaro, são as referências constantes, até com uso de bandeiras, aos Estado Unidos e a Israel. 

Por fim, aos que se reivindicam patriotas, vale a reflexão de Madeleine Albright — primeira mulher secretária de Estado nos Estados Unidos e perseguida pelo regime nazista na infância. Segundo ela, não há problemas em buscar sua “identidade étnica, linguística e religiosa”, mas “se minha identidade odeia sua identidade, se transforma em algo muito perigoso”, pondera em entrevista ao El País. “O patriotismo é uma coisa, é bom, mas o nacionalismo é muito perigoso”.

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