Estudante cita Carolina Maria de Jesus e tira mil na redação do Enem
Nicolas Dominic pretende conquistar uma vaga em Medicina com sua nota e trabalhar pelo acolhimento no SUS
Carolina Maria de Jesus foi uma escritora brasileira que viveu entre 1914 e 1977. Da infância até sua morte, escreveu poemas, canções, relatos biográficos e outros textos. Em Quarto de Despejo, o mais célebre deles, Carolina conta sua penosa rotina na favela do Canindé, em São Paulo, enquanto trabalha como catadora para sustentar os filhos, cuida da casa, discute política e, sempre que possível, escreve. Foi ela que Nicolas Dominic Soares Brito citou para debater o trabalho invisível de cuidado realizado pela mulher na redação do Enem 2023. Aposta certeira: o estudante foi um dos 60 candidatos a alcançar a nota mil na edição.
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“É um livro que toca muito na realidade brasileira, nas desigualdades”, relatou ao GUIA DO ESTUDANTE, afirmando que se sentiu realizado por ter citado três mulheres como repertório no texto nota mil. Além de Carolina, Nicolas também referenciou no texto a pensadora e ativista bell hooks, além da teórica feminista Simone de Beauvoir.
O jovem conta que cresceu observando como o machismo opera na sociedade, e por isso defende que embora tenha sido inesperado, o tema do Enem 2023 foi uma “surpresa feliz”.
“Uma coisa que eu falo muito é sobre defender o que é popular, então eu queria muito um tema em que a gente conseguisse ver as faces mais cruas do Brasil”, afirma o estudante, que tem uma página no Instagram sobre repertórios pop para a redação. “E um tema que fala sobre mães, que é algo muito histórico da nossa constituição, cultura e sociedade, foi algo muito lindo de se ver”, reflete.
Invisível e assimétrico
Não é novidade que o Enem gosta de tratar da “invisibilidade” de determinados problemas sociais do Brasil. Na edição passada, por exemplo, falou da desvalorização das culturas de povos tradicionais – o que, de certa forma, também toca no desconhecimento sobre elas. Em 2021, usou especificamente o termo, quando trouxe o tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”.
Na edição de 2023, a fórmula se repetiu. “O Enem gosta muito de trabalhar em temas que a gente conhece, vive e às vezes não se dá conta do que está acontecendo”, afirma Nicolas, que diz ter se inspirado no cotidiano da própria mãe na hora de escrever o texto. “Eu lembrava da minha mãe, como às vezes ela fica muito cansada nessa jornada dupla e tendo que cuidar de muitas coisas”.
O estudante, no entanto, alerta para um segundo aspecto importante associado ao tema da redação. Além da invisibilidade, em seu texto ele também discutiu a assimetria que ronda os trabalhos de cuidado. “É algo obrigatório e que deveria ser igualmente distribuído. Nós, homens, como cidadãos, também temos responsabilidades, mas algumas recaem mais sobre as mulheres”.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022 as mulheres realizavam 9,6 horas a mais de trabalhos domésticos em uma semana do que os homens.
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Educação libertadora
Muitos não sabem, mas a escritora, ativista e professora americana bell hooks dialogou e inspirou-se muito em um famoso educador brasileiro. Assim como Paulo Freire, que ela referencia em algumas de suas obras, hooks acreditava na importância da educação como forma de conscientizar e libertar as populações oprimidas da sociedade, como as mulheres e pessoas negras.
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Foi pensando nisso que o Nicolas Dominic citou a autora feminista em sua redação do Enem. Além disso, na proposta de intervenção do texto, o estudante sugeriu que o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres virasse tema de debate nas escolas, como uma maneira de sensibilizar e tirar o assunto do desconhecimento.
“Eu trouxe como é importante adicionar nos currículos escolares a ideia de reconhecimento das mulheres”, conta o aluno. Ele próprio, que cursou o Ensino Médio no Colégio Pedro II, uma reconhecida escola pública no Rio de Janeiro, relembra a importância que a instituição teve na formação do seu pensamento crítico.
Para completar, Nicolas também sugeriu em sua proposta de intervenção que o Estado cuidasse da saúde mental das mulheres que enfrentam o trabalho de cuidado. “Falei desde auxílio financeiros até mesmo o amparo psicológico às mulheres que sentem essa pressão da sociedade”, conta.
Com o seu desempenho no Enem 2023, Nicolas Dominic espera conquistar uma vaga no curso de Medicina este ano, e fala sobre os planos de trabalhar no SUS, o Sistema Único de Saúde.
“A gente tem hoje um sistema de saúde muito único no mundo, muito robusto, mas que ainda passa por muito sucateamento e problemas estruturais. E um deles pode ser um problema de acolhimento, então eu quero muito participar e ser essa voz por mais empatia”, finaliza.
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