A segunda fase da Fuvest 2024 encerrou a temporada dos grandes vestibulares deste ano. Aplicada pela primeira vez em dezembro, a última etapa do processo seletivo da USP (Universidade de São Paulo) rendeu elogios dos professores ouvidos pelo GUIA DO ESTUDANTE: foi tradicional e clássica nos conteúdos cobrados, progressista nas temáticas e textos de apoio, e surpreendente na proposta de redação.
“A Fuvest parece ter se posicionado como um vestibular humanista e, por conseguinte, a USP como uma instituição mais humanista”, opina Sérgio Paganim, diretor do Curso Anglo.
Atualidades na prova
Os textos de apoio abordaram diversos temas atuais como:
- Estrangeirismos na Língua Portuguesa;
- O repatriamento do manto Tupinambá;
- A dicionarização da palavra ‘travesti’;
- A violência policial no país;
- Os dados do Censo 2022;
- O alargamento da faixa de areia em Balneário Camboriú (SC);
- A Era do Antropoceno;
- O físico Oppenheimer, que ganhou um filme biográfico este ano.
A segunda fase da Fuvest 2024 apresentou, de forma geral, dificuldade média de complexidade. Mas, por meio do tema da redação e das temáticas das perguntas, mostrou, mais uma vez, que é um vestibular seletivo. Para ser um uspiano, é preciso desenvolver, além dos conteúdos didáticos, uma visão crítica e contemporânea do mundo.
Veja a análise de cada disciplina separadamente.
Redação
O tema deste ano causou polêmica: “Educação básica e formação profissional: entre a multitarefa e a reflexão“. A frase temática sozinha exigiu dos candidatos um exercício extra de interpretação. Diferentemente de outros anos, a banca não trouxe uma pergunta de “sim ou não”, como em “O mundo contemporâneo está fora da ordem?” ou “Devem existir limites para a arte?”.
O que parece é que, desde a edição do ano de 2021 (“As diferentes faces do riso”), o vestibular vem diversificando suas propostas de redação, atingindo o ápice na Fuvest 2023 quando cobrou um tema que se aproximava muito mais dos cobrados no Enem, “Refugiados ambientais e vulnerabilidade social”.
Na ótica do coordenador e professor de Redação do Poliedro Curso de São Paulo, Arthur Medeiros, o tema desta edição veio com a cara dos cobrados pela Fundação Vunesp – a banca por trás da Unesp e do Provão Paulista.
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“Esse tema pode ser um grande aprendizado: apesar de cada banca possuir seus direcionamentos mais comuns, os candidatos devem estar sempre preparados para outros formatos de proposta de redação”, afirma. “A banca é livre e pode fazer alterações em suas formas a qualquer momento”. O que só reforça a importância de se treinar ao longo do ano e não se prender a fórmulas vendidas como mágicas ou receitas instantâneas de sucesso.
Sobre o tema em si, um recado da própria banca. Ao tematizar o sacrifício do hábito reflexivo e do ócio criativo em nome da ultra produtividade, a Fuvest traz a problemática de ser multitarefa para a educação e mostra o quanto busca candidatos que saibam pensar e enxergar o mundo de maneira crítica.
Para Medeiros, o tema engloba aspectos críticos da contemporaneidade – e que poderiam ser citados pelo estudante no texto. “Por exemplo, a desvalorização das ciências humanas em favor das carreiras mais técnicas, o preenchimento de todo o nosso tempo livre com atividades mediadas pela tecnologia, o alastramento assustador dos casos de síndrome de Burnout e outras patologias mentais relacionadas à produtividade, bem como o crescente consumo de drogas estimulantes”, afirma.
Língua Portuguesa
Não houve grandes surpresas na prova de Gramática. A edição teve o DNA da Fuvest e valorizou o candidato que se atentou à interpretação dos textos de apoio, assim como os significados das palavras relacionadas aos determinados contextos. “Isso ficou muito evidente, por exemplo, na questão em que havia o duplo sentido da palavra ‘humanidade'”, avalia Marcos Sagatio, professor de Gramática e Interpretação de Texto do Curso e Colégio Oficina do Estudante.
O que se nota na prova é a habilidade da banca de inserir os conteúdos clássicos de Gramática, como tempos verbais, variação linguística e polissemia, em discussões atuais – o que firma ainda mais o vestibular como uma prova atenta aos principais debates contemporâneos. Em certa questão, a dicionarização da palavra “travesti” foi pontuada, evidenciando a releitura que o termo obteve nos últimos anos, que valoriza o seu caráter político e de celebração.
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O estrangeirismo também esteve presente. Uma outra questão trazia uma manchete sobre a abertura do “rooftop” do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. A notícia, na verdade, era inserida em um print de uma rede social, juntos de comentários de usuários, que questionavam: “pode ser terraço, laje ou cobertura? Estão falando anglicismo no Museu da Língua Portuguesa”.
“A prova abordou ainda temas como desinformação, teorias conspiratórias, violência policial… Temáticas muito relevantes e que guiaram os textos básicos sem deixar de lado os estudos tradicionais de Língua Portuguesa”, opina Sérgio Paganim.
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Literatura
Uma prova com dificuldade acima da média! As questões de Literatura deste ano exigiram do candidato muito mais do que a mera leitura das obras obrigatórias. Nesta segunda fase, caíram “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade, “Quincas Borba“, do Machado de Assis, “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles, e “Marília de Dirceu” de Tomás Antônio Gonzaga.
As questões exploraram, principalmente, relações intertextuais complexas, como entre o poema do Drummond e uma canção de Caetano Veloso, e entre uma lira de “Marília de Dirceu” e uma obra de arte. Diferentemente da primeira fase, foi cobrado do candidato uma leitura aprofundada e dinâmica das obras, solicitando a capacidade de relacioná-las com obras de outras searas.
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Matemática
Uma prova de nível médio para difícil. A banca cobrou temas já clássicos do exame, como probabilidade, função de primeiro e segundo grau, exponenciais, geometria analítica e espacial. Mas deixou de fora assuntos que costumam aparecer: geometria plana, análise combinatória e sequências.
Destaque para a questão de número um, que pode ser considerada a mais difícil da prova de Matemática. A dificuldade estava não no conteúdo, mas no enunciado, apresentando ao candidato certa complexidade para entender o que exatamente estava sendo cobrado.
História
A prova de História foi avaliada por professores como bem elaborada, tradicional, e de nível médio de dificuldade. A predominância das questões foi em torno de História Geral; as sobre História do Brasil foram somente duas. Assuntos clássicos, que já são normalmente trabalhados em sala de aula foram a maioria, entre eles escravidão, Idade Média, Guerra do Vietnã e Proclamação da República.
Um destaque seria a presença de imagens que eram importantes para a resolução das questões. Outro seria a questão que foi considerada a mais exigente da prova. Nela, misturaram-se habilidades de História com Inglês ao relacionar a capa de um disco de um cantor nigeriano (em inglês) e o movimento de descolonização e independência da África.
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Geografia
Em Geogragia, o estudante encontrou também uma prova de nível médio para difícil. Houve somente uma questão de Geografia Geral, envolvendo o BRICS, grupo econômico que foi destaque ao longo do ano – o porquê explicamos neste texto. Chama atenção a presença dos dados do Censo Demográfico 2022, divulgado neste ano pelo IBGE, que embalou uma pergunta sobre povos tradicionais e outra sobre transição geográfica.
Um trio de questões sublinhou o caráter predatório da relação entre o homem e a natureza. Temas como a Era do Antropoceno, a exploração mineral de Nauru e o alargamento da faixa de areia em Camboriú (SC) foram citados como pano de fundo para as perguntas.
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Física
Prova de nível médio para alto. Com conteúdos diretos e contextualização objetiva (mas bem construída). As questões apresentavam conteúdos ligados ao cotidiano e à Física Moderna. Exigiu do candidato leitura atenta, com entendimento aprofundado da disciplina e disposição para fazer as várias contas. Calorimetria, ondas estacionárias e primeira lei da termodinâmica foram alguns dos temas cobrados. Mecânica, surpreendentemente, ficou de fora.
Nas questões 5 e 6, as específicas para as carreiras de exatas, perguntas mais sofisticadas e trabalhosas, com direito à referência a Oppenheimer, e o fenômeno da aurora boreal.
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Química
A prova de Química na Fuvest 2024 apresentou uma ampla cobertura de conteúdos – com algumas questões, inclusive, cobrando mais de um assunto simultaneamente. A matemática foi uma grande aliada em algumas perguntas. Prova com dificuldade média para difícil, mas bem balanceada no que diz respeito à quantidade de teoria e cálculo. Valorizou o candidato com facilidade para interpretar textos, gráficos e tabelas. Isto é, com habilidade analítica.
Alguns professores apontam a ausência do “note e adote” na questão três, o que obrigou os candidatos a fazerem aproximações no cálculo. Tal característica a coroou como a questão mais difícil da prova. Destaque para Equilíbrio Químico, presente em mais de uma questão. Fizeram falta questões sobre Termoquímica, Eletroquímica e Química Geral. Ainda assim, uma prova típica da Fuvest.
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Biologia
Uma prova de nível médio e com duas avaliações possíveis. Para os candidatos que realizaram a prova de quatro questões foi uma prova muito bem distribuída, com uma pergunta sobre cada tema: ecologia, evolução, fisiologia humana e uma envolvendo zoologia, genética e biologia celular. Para quem fez a prova com seis questões, no entanto, a diversidade ficou mais restrita – com a adição de mais duas perguntas sobre Ecologia, totalizaram-se três sobre o mesmo tema, ou seja, metade da prova.
Nenhuma questão foi muito complexa, e vale como destaque a presença significativa de gráficos, tanto para análise quanto para a construção.
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Colaboraram no texto: Sérgio Paganim, diretor do Curso Anglo; Arthur Medeiros, coordenador e professor de Redação do Poliedro Curso de São Paulo; Marcos Sagatio, professor de Gramática e Interpretação de Texto do Curso e Colégio Oficina do Estudante; Marcos César Formis, professor de Química do Curso e Colégio Oficina do Estudante; Mário Fernandes, professor de Matemática do Curso e Colégio Oficina do Estudante; Felipe Mello, professor de História do Curso e Colégio Oficina do Estudante; e André Bourg, professor de Biologia do Curso e Colégio Oficina do Estudante.
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